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MEU CRAQUE! por Ana Paula Campos

Atualizado: 25 de ago. de 2020

Todos os dias era a mesma coisa. Ela gritava por ele da calçada de casa

para que viesse tomar banho. Ele entrava correndo, sorrindo e todo suado,

segurando a bola com uma das mãos. Era a sua brincadeira preferida. Dizia

que quando crescesse seria um craque do futebol. Ficaria muito rico e

compraria uma casa bem grande para morar com a mãe e o irmão. Ela achava

bonito quando ele fantasiava assim, então, não o contrariava. Dizia que ele

poderia ser qualquer coisa nessa vida, desde que estudasse muito. “A gente só

tem as coisas com estudo”, ela repetia todos os dias antes de vê-lo sair para o

colégio. Dona Raimunda trabalhava lavando e engomando a roupa de algumas

famílias do bairro vizinho. Moravam de aluguel numa casinha humilde; logo,

todo dinheiro que ganhava era investido na educação dos filhos. A situação

ficou mais difícil depois da morte do marido, então ela fazia o que podia para

não deixar faltar nada em casa.

Sempre que podia ia até a escola dos garotos, conversar com a

professora e saber como eles estavam. Explicava que não sabia ler porque,

quando moça, não tinha cabeça para as letras. Ficava ali sentada na sala de

aula só pensando em como poderia arrumar um emprego e ajudar a mãe a sair

daquela casa. O pai, um alcoólatra, todos os dias batia o ponto no bar e nas

costas de mãe e filha. Uma violência só. A vida em família virara um inferno.

Gastava o pouco que ganhava com bebida.

A professora sempre elogiava muito os meninos, principalmente Lucas.

Ela mostrava o seu caderno com letra caprichada. “Esse menino vai longe”, ela

dizia. Em casa, ele também era um bom garoto. Sentia pena de ver a mãe

chegar cansada e ainda ter que fazer as coisas. Por isso, antes de correr para

o jogo de futebol, lavava a louça e passava uma vassoura na casa. Outra

grande paixão, além do futebol, era o desenho. E o danado tinha talento para a

coisa! Passava horas dentro da rede com um caderno velho no colo,

desenhando tudo quanto era artista.

Mas seu sonho mesmo era ser jogador de futebol. Sem que ele

soubesse, Raimunda tinha mandado fazer um bolinho pro seu aniversário.

Faltavam só três dias. 12 anos. Como o tempo passa voando. Até parece que

foi um dia desses que ele estava chutando sua barriga. Bem coisa de jogador

mesmo. Ela sorria. Agora ele estava ali, deitado em seu colo. Ela quase nem

conseguia segurá-lo direito. Enquanto alisava seu cabelo, ralhava baixinho que

ele precisava tomar um banho e tirar aquela roupa suja. Sangue. Uma bala

perdida achara o corpo negro de Lucas no momento exato em que ele gritava

gol!


Por: Ana Paula Campos

Educadora e Ativista


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